Tsunami cósmico traz galáxias de volta à vida
2015 abril 24Imagem radio que mostra a onda de choque (tsunami cósmico) a propagar-se pelo enxame. A imagem foi feita com o Giant Metrewave Radio Telescope, situado na Índia. A onda de choque foi gerada há cerca de mil milhões de anos, quando os dois enxames colidiram de frente. No momento das observações, a onda desloca-se a cerca de 9 milhões de quilómetros por hora e tem cerca de 5 milhões de anos-luz de uma ponta à outra. Créditos: Andra Stroe.Uma imagem do enxame em colisão estudado (CIZA J2242.8+5310), feita com a combinação de dados dos telescópios Subaru e CFHT no Havai. A maioria dos pontos luminosos são estrelas na nossa própria galáxia, enquanto que o magenta/rosa mostra gás extremamente quente (raios-X, com o telescópio Chandra), e os contornos mostram onde está uma quantidade imensa de massa (mostrando cada um dos enxames, depois de uma primeira passagem/colisão). A verde mostra-se a radiação rádio, que realça a maior onda, em cima, mas também uma outra onda gigante, mais em baixo. Os círculos brancos indicam as posições de galáxias fora do enxame, mas à mesma distância da terra, e os círculos amarelos são as inúmeras galáxias do enxame, ativadas pelo “tsunami cósmico”, a formarem novas estrelas ativamente. Créditos: Andra Stroe. Uma equipa internacional1 de astrónomos, liderada por David Sobral, do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA2), e Andra Stroe, do Observatório de Leiden, descobriu que os mega tsunamis cósmicos gerados pelo choque de enxames de galáxias têm um impacto tremendo nas galáxias.
Os enxames de galáxias são “cidades” onde milhares de galáxias podem coexistir num espaço relativamente “pequeno”, mas onde as condições são de tal forma extremas que a maioria das galáxias está morta3. Contudo, até a maior cidade de galáxias pode fundir-se com outras cidades: é assim que crescem. Quando isto acontece, formam-se ondas de choque espetaculares4, verdadeiros “tsunamis” com milhões de anos-luz de extensão, que se propagam ao longo de todo o enxame e que comprimem o gás. Mas o que acontece às galáxias no enxame?
David Sobral (IA e Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa) comenta: “Até há pouco tempo, sabia-se muito pouco acerca dos efeitos que a fusão de enxames e os tsunamis cósmicos tinham nas galáxias. Os nossos resultados5 mostram que as galáxias nos enxames não são apenas espectadores: a onda de choque cria condições para a formação de novas estrelas e também ativa os buracos negros das galáxias. Isto foi algo surpreendente6 desde o primeiro momento em que olhámos para a primeira imagem retirada no telescópio7. De uma forma simples, o tsunami cósmico traz as galáxias, que se encontravam numa espécie de coma, de volta à vida!”.
Andra Stroe (Observatório de Leiden) afirma: “Os nossos resultados mostram que a fusão de enxames pode alterar as galáxias de forma dramática, ativando a formação de estrelas. De forma semelhante a uma colher de chá a agitar uma caneca de café, as ondas de choque causam turbulência no gás galáctico dando origem ao seu colapso. Este processo leva à formação de nuvens de gás frias e muito densas que dão origem depois à formação de novas estrelas.”.
“Esta atividade tão forte de formação de novas estrelas leva à ocorrência de várias supernovas (aquando da morte das estrelas de maior massa) e vemos grandes quantidades de gás a ser expelido das galáxias nessas explosões. Em pouco tempo, estas galáxias irão consumir a maioria do seu combustível e ejetar o que resta dele. Assim, ainda que a fusão de enxames possa ser um estímulo para rejuvenescer as galáxias, em última análise acabam também por ser responsáveis por criar galáxias ainda mais vermelhas e mortas, desde que esperemos tempo suficiente”, diz David Sobral.
“Estamos agora a estudar uma amostra muito maior de enxames de galáxias, de forma a compreender totalmente se o que observámos apenas acontece em condições particulares, ou se é aplicável a qualquer choque de enxames de galáxias”, conclui Stroe.
Notas
- A equipa é formada por David Sobral (IA, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e Observatório de Leiden), Andra Stroe (Observatório de Leiden), e investigadores das Universidades da Califórnia e Harvard, Lawrence Livermore National Laboratory, e Observatórios de Leiden e Hamburgo.
- O Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) é a maior unidade de investigação na área das Ciências do Espaço em Portugal, englobando a maioria da produção científica nacional na área. Foi avaliado como “Excelente” na última avaliação que a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) encomendou à European Science Foundation (ESF).
- As galáxias que ativamente formam estrelas, como a nossa Via Láctea, residem tipicamente no “campo” ou em ambientes com poucos vizinhos, enquanto que as galáxias nos enxames estão maioritariamente “vermelhas” e “mortas” – galáxias elíticas de grande massa cuja formação estelar cessou no passado, provavelmente quando se juntaram ao enxame.
- A energia libertada é inigualável: só a energia libertada no Big Bang consegue superá-la.
- Os resultados foram publicados hoje em dois artigos (Sobral et al. 2015 e Stroe et al. 2015) na conceituada revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.
- Como todos os enxames no Universo próximo experienciaram uma série de fusões desde o Big Bang, deverão ter passado todos por um período vigoroso de produção de estrelas. No entanto, dado que as ondas de choque levam apenas a um aumento momentâneo na formação estelar, é necessária muita sorte para apanhar o enxame numa altura da sua evolução na qual as galáxias ainda estão “entretidas a surfar” a onda de choque.
- Os investigadores utilizaram os telescópios INT e WHT em La Palma, aos quais juntaram dados dos telescópios Subaru e Keck, no Havai, de forma a confirmar plenamente os resultados e obter detalhes únicos. A descoberta só foi possível devido a filtros especiais desenvolvidos por David Sobral. A combinação destes dados permitiu-lhes compreender de uma forma global o que estava a acontecer com as galáxias no enxame em fusão.
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